Herberto Helder
Herberto Helder Luís Bernardes de
Oliveira nasceu a 23 de Novembro de 1930 no Funchal, Ilha da Madeira, no seio de
uma família de origem judaica. Em 1946, com 16 anos, viaja para Lisboa para
frequentar o 6º e o 7º ano do curso liceal. Em 1948, matricula-se na Faculdade
de Direito de Coimbra e, em 1949, muda para a Faculdade de Letras onde
frequenta, durante três anos, o curso de Filologia Romântica, não tendo
terminado o curso. Três anos mais tarde regressa a Lisboa, começando por
trabalhar durante algum tempo na Caixa Geral de Depósitos e depois como
angariador de publicidade, sendo que durante este tempo vive, por razões de
ordem vária e pessoal, numa «casa de passe».
Em 1954, data da publicação do seu
primeiro poema em Coimbra, regressa à Madeira onde trabalha como meteorologista,
seguindo depois para a Ilha de Porto Santo. Quando em 1955 regressa a Lisboa,
frequenta o grupo do Café Gelo, de que fazem parte nomes como Mário Cesariny,
Luiz Pacheco, António José Forte, João Vieira e Hélder Macedo. Durante esse
período trabalha como propagandista de produtos farmacêuticos e redator de
publicidade, vivendo com rendimentos baixos. Três anos mais tarde, em 1958,
publica o seu primeiro livro, "O Amor em Visita".
Durante os anos que se seguiram vive na França, Holanda e Bélgica, países nos
quais exerce profissões pobres e marginais, tais como: operário no arrefecimento
de lingotes de ferro numa forja, criado numa cervejaria, cortador de legumes
numa casa de sopas, empacotador de aparas de papéis e policopista. Em Antuérpia,
viveu na clandestinidade e foi guia dos marinheiros no sub mundo da
prostituição.
Repatriado em 1960,
torna-se encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste
Gulbenkian, percorrendo as vilas e aldeias do Baixo Alentejo, Beira Alta e
Ribatejo. Nos dois anos seguintes publica os livros "A Colher na
Boca" , "Poemacto" e "Lugar" . Em 1963 começa a trabalhar para a Emissora
Nacional como redator de noticiário internacional, período durante o qual vive
em Lisboa. Ainda nesse mesmo ano publica "Os Passos em Volta" e produz "A máquina de emaranhar
paisagens". Em 1964 trabalha nos serviços mecanográficos de uma fábrica de
louça, datando desse ano a sua participação na organização da revista Poesia
Experimental. Nesse ano reedita ainda "Os Passos em Volta", escreve
«Comunicação Académica» e publica "Electronicolírica" . Em 1966
participa na co-organização do segundo número da revista Poesia Experimental e no ano seguinte publica "Húmus" , "Retrato em Movimento" e
"Ofício Cantante".
Data de 1968 a sua
participação na publicação de um livro sobre o Marquês de Sade, o que o leva a
ser envolvido num processo judicial no qual foi condenado. Porém, devido às
repercussões deste episódio consegue obter suspensão de pena, fato este que não
conseguiu evitar que fosse despedido da Rádio e da Televisão portuguesas.
Refugia-se na publicidade e, posteriormente, numa editora onde desempenha o
cargo de co-gerente e diretor literário. Ainda nesse ano publica os livros "
Apresentação do Rosto" , que foi suspenso pela censura, "O Bebedor Nocturno", "Kodak" e "Cinco Canções
Lacunares".
Em 1970 viaja pela Espanha,
França, Bélgica, Holanda e Dinamarca, publicando nesse ano a terceira edição
de "Os Passos em Volta" e escreve "Os Brancos
Arquipélagos".
Em 1971 desloca-se para
Angola onde trabalha como redator numa revista. Enquanto repórter de guerra, é
vítima de um grave desastre tendo que ser hospitalizado durante três meses. Data
ainda desse ano a publicação de "Vocação Animal" e a produção de "Antropofagias" . Regressa
a Lisboa e parte de novo, desta vez para os E.U.A., em 1973, ano durante o qual
publica "Poesia Toda"
, obra que contém toda a sua produção poética. Em 1975 passa alguns meses
na França e Inglaterra, regressando posteriormente a Lisboa onde trabalha na
rádio e em revistas, meios restritos de sobrevivência econômica. Em 1976,
Herberto Helder participa na edição e organização da revista Nova que, sendo posterior à revolução de 25 de
Abril de 1974, reconhecia na Literatura Portuguesa características que a
aproximaram às Literaturas latino-americana, africana e espanhola, declinando
uma direção literária revolucionária cuja atividade não ultrapassou o plano
teórico devido à instabilidade política portuguesa . Nos anos que se seguiram
publicou as obras "Cobra"; "O Corpo, O Luxo, A Obra" e "O Photomaton e Vox"
.
A última
referência encontrada da instabilidade biográfica de Herberto Helder
referia-se ao fato de o poeta ter abandonado todas as suas anteriores atividades
e de viver no mais cioso dos anonimatos.
SOBRE
POEMA
Um poema cresce
inseguramente
na confusão da
carne,
sobe ainda sem palavras, só
ferocidade e gosto.
talvez como
sangue
ou sombra de sangue pelos
canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a
esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde
nascem
as raízes minúsculas do
sol.
Fora, os corpos genuínos e
inalteráveis
do nosso
amor,
os rios, a grande paz
exterior das coisas,
as folhas dormindo o
silêncio,
as sementes à beira do
vento,
a hora teatral da
posse.
E o poema cresce tomando tudo
em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o
poema.
Insustentável,
único,
invade as órbitas, a face
amorfa das paredes,
a miséria dos
minutos,
a força sustida das
coisas,
a redonda e livre harmonia do
mundo.
- Embaixo o instrumento
perplexo ignora
a espinha do
mistério.
- E o poema faz-se contra o
tempo e a carne.
** **
**
SE HOUVESSE DEGRAUS NA
TERRA...
Se houvesse degraus na terra
e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos
anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem
toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e
houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro
se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a
minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o
lenço fez~se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a
água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio
do mar,
e vermelhas se volveram as
asas da águia
que desceu para
beber,
e metade do sol e a lua
inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou a
maçã para outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de
ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura
da espada
e as raparigas correram à
procura da mantilha,
e correram, correram as
crianças à procura da maçã.
** **
**
FONTE
Ela é a fonte. Eu posso saber
que é
a grande
fonte
em que todos pensaram. Quando
no campo
se procurava o trevo, ou em
silêncio
se esperava a
noite,
ou se ouvia algures na paz da
terra
o urdir do
tempo...
Cada um pensava na fonte. Era
um manar
secreto e
pacífico.
Uma coisa milagrosa que
acontecia
ocultamente.
Ninguém falava dela,
porque
era imensa. Mas todos a
sabiam
como a teta. Como o
odre.
Algo sorria dentro de
nós.
Minhas irmãs faziam-se
mulheres
suavemente. Meu pai
lia.
Sorria dentro de mim uma
aceitação
do trevo, uma descoberta
muito casta.
Era a
fonte.
Eu amava-a dolorosa e
tranquilamente.
A lua
formava-se
com uma ponta sutil de
ferocidade
e a maçã tomava um princípio
de
esplendor.
Hoje o sexo desenhou-se. O
pensamento
perdeu-se e
rensceu.
Hoje sei permanentemente que
ela
é a
fonte.
Eliana (Shir) Ellinger
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